domingo, 14 de abril de 2024

O dia em que o Ziraldo me ensinou a ser eu

 Talvez por não estar passando nenhum desenho legal na TV, pedi à minha mãe para alugar uma fita e assistir um filme no videocassete. Nessa época, eu tinha entre 6, 7 ou 8 anos. Com uma naturalidade surpreendente, ela concordou que eu fosse a locadora e escolhesse o filme que quisesse. Porém, fez uma ressalva: “Não vai pegar de novo aquele do Menino Maluquinho, tu já viu duas vezes‘‘. Esse foi o dia em que o Ziraldo me ensinou a ser eu.

Pois lá fui eu todo prosa, pela primeira vez, sozinho, escolher um filme. A locadora ficava a umas três quadras da minha casa. Eu estava acostumado a servir de estafeta para ir à padaria ou ao mercadinho fazer pequenas compras. Na locadora, no entanto, além dos filmes de terror que me faziam dormir de luz acesa, tinha uma salinha reservada, que eu respeitava sem mesmo ter ideia do que era, onde só entravam adultos.

As paredes eram forradas de suportes nos quais ficavam encaixados os encartes das fitas VHS. Nos encartes dos filmes disponíveis, ficava inserido uma etiqueta de papel que era entregue ao atendente no balcão. Enquanto escolhia, fiquei em dúvida entre um desenho da Disney e uma série japonesa com um herói futurista. Dando mais uma olhada, reparei que na parte de baixo da parede havia três cópias de “Menino Maluquinho – O Filme‘‘, e apenas uma delas continha a etiqueta.

Ziraldo nos deixou este mês, aos 91 anos. Foi um homem dedicado à infância. Sua obra de um humor elegante, incentivou muitas crianças a compreenderem o mundo. Ainda nas séries iniciais, também assisti a um curta-metragem educativo com o nome: “Ler é mais importante que estudar‘‘. Essa frase me transformou em leitor. E é com ela que venho construindo minha vida. Por tudo isso, naquela tarde na locadora, entendi que a orientação da minha mãe não condizia com a vontade que eu senti de rever o filme naquele momento. Num impulso de personalidade, puxei a etiqueta e voltei correndo para casa para assistir o Maluquinho.


sexta-feira, 12 de abril de 2024

O melhor romance contemporâneo

Olhei de novo, depois de um hiato torporizado, para a tela do celular, que ainda exibia uma matéria sobre o assassinato de Andrei Dukelsky no site da Zero Hora. Dei scroll na notícia, molhando toda a tela de vidro do iPhone com o suor do dedo. De acordo com a namorada do Andrei, uma tal de Francine Pedroso, ele tinha saído para correr em torno das nove e meia da noite e levava consigo somente a chave de casa e o smartphone, que foi roubado pelos criminosos. Não havia testemunhas, embora o local onde o crime aconteceu fosse uma área de movimento moderado, mesmo à noite. “Um dos maiores novos talentos da literatura brasileira contemporânea”, era o aposto que o texto lhe concedia. “Duque, como era chamado pelos amigos”. Havia uma hashtag #AdeusDuque oferecendo consulta instantânea às manifestações de choque e tristeza de seus leitores e amigos nas redes sociais. Não tive coragem de clicar nela.

“Meia Noite e Vinte‘‘, Daniel Galera - Companhia das Letras, 2016